sábado, 27 de fevereiro de 2010

Seminarista católico muda de Igreja, casa-se com presbiteriana e retorna



Fui batizado e crismado na Igreja Católica, onde atuei em algumas pastorais. Também fui seminarista até a década de 80. Em 1990, me afastei completamente da Igreja Católica. Nesse período conheci minha atual esposa, que era e continua sendo presbiteriana, com atuação na sua igreja. Em 1998, casamos na Igreja Presbiteriana, onde me tornei membro. Atualmente estou voltando para a Igreja Católica. Minha questão é a seguinte: como fica minha relação matrimonial? O que me impedirá um casamento feito em uma igreja protestante? O que devo fazer para poder participar plenamente na Igreja Católica, permanecendo casado? Minha esposa, apesar de não concordar com meu retorno a Igreja Católica, aceita. No entanto, não aceita casar de novo na Igreja Católica. Como devo proceder?

No cenário atual do cristianismo existe uma gama muito vasta de denominações cristãs. Dentro de sua suposta liberdade religiosa, os fiéis podem fazer as mais variadas experiências de Deus, garimpando na tradição religiosa o objeto de sua busca. Então, migram de igreja a igreja e muitas vezes retornam à comunidade eclesial de origem, como aconteceu com o caro internauta.

Na tradição das Igrejas da Reforma, o matrimônio é um vínculo natural, indissolúvel por si mesmo. Esse vínculo surge do amor mútuo entre os nubentes, quando se sentem maduros para contrair núpcias. Esse vínculo exige dos cônjuges a mútua responsabilidade na edificação da família. Essas Igrejas praticamente não se diferenciam da Católica, salvo na questão sacramental do matrimônio. Para elas, basta que o vínculo produza o seu caráter permanente e responsável na vida a dois, podendo ou não ser ratificado pelo Estado e ou abençoado pela Igreja, como aconteceu no presente caso.

Na compreensão das Igrejas Presbiterianas, só existem dois sacramentos, ou seja, eles só admitem o Batismo e a Ceia (Eucaristia). Por conseguinte, o matrimônio não é considerado sacramento, podendo ser dissolvido pelos próprios cônjuges e pelo Estado (divórcio).

O caso em epígrafe demonstra que a união conjugal continua fecunda. A Igreja Católica compreende que tal união já foi sacramentada pelo próprio Batismo e se houve alguma falha no decorrer do seu itinerário, esta falha poderia ser sanada, como veremos a seguir.

No caso de um fiel cristão, batizado e crismado na Igreja Católica, que porventura fez uma experiência de Deus em outra Igreja e que pretende retornar à Igreja de origem, sempre existe uma saída. Através de boa uma conversa, se pode constatar que a pessoa esteja arrependida e quer voltar. Neste caso, ela não necessita de ser rebatizada. Basta que emita a sua profissão de fé diante da Igreja de origem. Em outras palavras, quando ela se sentir devidamente preparada, será acolhida pela comunidade, rezando o Creio diante do pároco ou do presidente da celebração (missa). Só assim, estaria ela apta a resolver o seu segundo problema, ou seja, se poderá ou não comungar na Igreja.

De acordo com as normas da Igreja Católica, “somente são válidos os matrimônios contraídos perante o Ordinário local ou o pároco, ou um sacerdote ou diácono delegado por qualquer um dos dois como assistente, e além disso perante duas testemunhas”(cânon 1108, § 1).

Considerando que o internauta saiu da Igreja Católica e enquanto estava fora da comunhão eclesiástica, contraiu núpcias na Igreja Presbiteriana, então o seu matrimônio poderia ser considerado inválido pelo defeito de forma e também pelo fato de não ser considerado sacramento naquela Igreja. Embora ele não estivesse obrigado naquele momento aos requisitos da comunidade eclesial católica, agora ele quer entrar na comunhão desta Igreja, segundo a sua sã tradição, especialmente no que concerne ao sacramento do matrimônio. Diante disso, como proceder? Deveria ele repetir o seu consentimento diante da Igreja Católica, repetindo a celebração, para que o seu matrimônio contraído na Presbiteriana seja válido nesta Igreja?

Se ele for acolhido na Igreja Católica, mediante a sua profissão de fé, haveria sim uma saída, prevista no seu Direito Canônico. O caso supra citado configura-se na “sanação radical” (sanatio in radice), que é ordenada nos cânones 1161 a 1165. Este recurso é usado, sobretudo, para sanar ou remediar um matrimônio inválido, sem a necessária renovação do consentimento pelos contraentes. A sanação traz no bojo a dispensa de um impedimento, se houver, ou a dispensa da forma canônica (can. 1161, § 1). É uma graça concedida pela autoridade competente da Igreja, que convalida o matrimônio desde a sua origem (can. 1161, § 2). Releva-se, porém, que não é a sanação que cria o vínculo matrimonial, mas o consentimento das partes. A sanação é um remédio para melhorar a sequência da vida matrimonial, de acordo com o consentimento já efetivado pelas partes desde as suas origens. É indispensável, porém, que haja a intenção das partes de perseverar na vida conjugal (1161, § 3), como bem expressa o internauta em sua história. Caso contrário, não se aplica esse recurso, porque a sua eficácia seria falida por si mesma. Em outras palavras, a sanação passa a reconhecer a primeira celebração do seu matrimônio na Igreja Presbiteriana.

Diante do exposto, eis os procedimentos a serem perseguidos no caso em tela:
1) Procurar o pároco ou o seu assistente espiritual e narrar a sua história, em que manifeste o arrependimento de ter passado para a Igreja Presbiteriana e que agora está disposta a assumir a fé católica;
2) O pároco ou o seu delegado deve elaborar um breve histórico, constando os nomes dos cônjuges, o local e data de nascimento, a data do batismo de ao menos uma parte na Igreja, a data do casamento civil, os motivos que norteiam a solicitação e emitir um parecer pessoal sobre a perseverança do consentimento natural das partes;
3) Se uma das partes não concordar no pedido da sanação, mesmo assim pode ser requisitado. Contudo, se deve agir com prudência, porque a sua não aceitação pode estar comprometendo a seriedade do decreto e de seus efeitos. Seria ideal consultar a outra parte, para comprovar que isso não seja motivo de desavença entre os cônjuges. Também é prudente ouvir uma ou duas testemunhas, a respeito da perseverança do consentimento das partes, descrevendo tais depoimentos e anexando-os ao à solicitação da sanação;
4) Anexar ao pedido o batistério recente da parte católica.

O decreto da sanação é comunicado à paróquia onde a parte católica foi batizada, para ser transcrito no livro de batismos. Os efeitos da sanação são os mesmos do matrimônio na Igreja. Isso significa que a parte católica está livre para comungar na Igreja e fazer de tudo para que o seu lar continue sendo uma Igreja doméstica, no cultivo dos valores essenciais da vida a dois e na educação dos frutos oriundos de tal consentimento, sanado em sua raiz. E se porventura a parte presbiteriana se converter ao catolicismo, que seja aplicado o mesmo remédio a ela, sem necessidade de outro decreto de sanação na raiz. Se ela continuar sendo da Igreja Presbiteriana, tal matrimônio é aceito na Igreja Católica, por ser equiparado aos matrimônios mistos. Assim sendo, o cara internauta está apto à plena comunhão na comunidade católica, porque o seu matrimônio foi sanado na raiz e continua válido até que a morte os separe.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Batismo de crianças, filhos de pais acatólicos


Sou católica, assim como toda minha família. Minha irmã gêmea nunca foi de prática religiosa, ao contrário de mim. Conheceu um australiano e casou-se com ele, de família anglicana. O casamento aconteceu aqui na minha cidade, diante de um pastor presbiteriano. Ontem nasceu a filhinha deles, na Austrália, pois vivem nesse país. Porém, ambos querem vir ao Brasil em dezembro para batizar a criança na Igreja Católica. Pergunto: há algum problema nisso, pelo fato de não serem casados na Igreja? Como devem proceder? Pergunto, porque moro em uma pequena cidade no interior deste país imenso e aqui só temos uma paróquia. Há reclamações frequentes por parte dos fiéis no sentido de serem feitas exigências aqui, para receber os sacramentos, que em outras paróquias não se fazem. É comum os pais irem batizar seus filhos em uma cidade vizinha, pertencente a outra diocese. Já prevemos enfrentarmos problemas para batizar a pequena, principalmente pelo fato de os pais não serem casados na Igreja Católica, como já disse. Peço orientação sobre as normas da Igreja sobre o Batismo.

A questão apresentada pela cara internauta pode encontrar sua resposta, em parte, num artigo já publicado neste blog no dia 27 de agosto de 2009, intitulado: Batismo de quem vive numa união irregular. Em base a isso, dou por descontada a fundamentação teológica sobre o batismo, indo diretamente à parte jurídica e ao encaminhamento de uma possível resposta.

Do ponto de vista jurídico, para que um batismo seja considerado válido na Igreja, basta que o ministro o administre em nome das três pessoas da Santíssima Trindade. Com tal fundamentação, a Igreja Católica aceita o batismo administrado pelas Igrejas Ortodoxas, pelas Igrejas da Reforma e pela maioria das Igrejas Pentecostais. Nesta configuração, entraria a confissão anglicana ou confissão presbiteriana que porventura os pais da criança estejam professando. Em outras palavras, mesmo que a criança fosse batizada numa dessas confissões e mais tarde fosse aceita na Igreja Católica, nem ela, nem seus genitores necessitariam de um novo batismo, para que fossem acolhidos teologicamente e juridicamente dentro da comunidade católica. Porém, se for do interesse de seus genitores, embora professem outra fé cristã, batizar a sua filha na Igreja Católica, basta observar se consta de alguma irregularidade jurídica nas normas da Igreja que a recebe.

De acordo com as normas da Igreja Católica, “para que uma criança seja licitamente batizada, é necessário que: 1° - os pais, ou ao menos um deles ou quem legitimamente faz as suas vezes, consintam; 2° - haja fundada esperança de que será educada na religião católica; se essa esperança faltar de todo, o batismo seja adiado segundo as prescrições do direito particular, avisando-se aos pais sobre o motivo” (Cânon 868, § 1).

Configurando o caso em foco no ordenamento jurídico da Igreja, não obsta que haja irregularidade em batizar esta criança na comunidade católica. Porém, do ponto de vista pastoral, seria conveniente travar um diálogo com os pais sobre os seguintes pontos:
1) Verificar se a intenção dos pais neste batismo é inserir a sua filha na Igreja Católica ou se a intenção é a de um mero ato social, só porque é bonito batizá-la nesta Igreja;
2) Lançar um facho de luz sobre os seus compromisso inerentes à educação católica desta criança, para que haja uma fundada esperança que não coloque em cheque um batismo a ser edificado numa comunidade que terá os seus elementos essenciais, de uma educação nos princípios que a norteiam e que possa falhar desde o início, pelo fato de ser incompatível;
3) Conversar com o pároco, e se possível, também com a pastoral do batismo da comunidade, tendo em vista que os pais, se não são católicos, não têm direito ao batismo de seus filhos na Igreja Católica. Porém, se ao menos um deles foi batizado ou acolhido na Igreja Católica, não haveria contradição em solicitar este batismo na Igreja. Já que querem batizar a sua filha na Igreja Católica, não haveria uma intenção, no fundo, de conversão ou de retorno para esta comunidade?
4) O fato de não serem casados na Igreja não é motivo suficiente para negar o batismo, uma vez que entra em cena jogo um direito natural da criança ao batismo e não se os seus genitores vivem ou não de acordo com as normas da Igreja.

Portanto, se houver uma fundada esperança que este batismo seja fecundo, que seja autorizado pelo pároco, porque com ele poderá ser edificada uma nova comunidade de fé dentro da comunidade eclesial.