quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Casada na Igreja, separada e quer comungar

O presente fato é resultado de um atendimento, típico de nossos dias, em que tantas pessoas se separam depois de casadas na Igreja. Após as boas vindas, a pessoa envolvida desencadeou num choro profundo. Ao serem enxugadas suas lágrimas, ela retomou as forças para o diálogo, que reproduzo a seguir aos internautas:
- Quando a senhora casou-se com ele, já o conhecia bem?
- A gente namorou quase dois anos, mas naquele tipo de namoro antigo, nos finais de semana, muito controlado pelos nossos pais.
- E vocês se conheciam, em suas virtudes e defeitos, quando resolveram contrair núpcias?
Mais ou menos, não tanto pra assumir um compromisso tão sério, até que a morte nos separasse!
- Quando surgiram os primeiros problemas na vida a dois?
- A partir do momento que ele começou a amar outra mulher e me deixou de lado.
- Vocês conversavam sobre isso na época, na tentativa de despistar o foco do amor dele, para que pudesse voltar pra você?
- Tentava dialogar, mas ele não aceitava. Começou a me agredir com palavrões de baixo escalão, dizendo inclusive que eu não era a mulher ideal pra ele.
- Você acha que não o amou suficientemente, a ponto dele buscar fora da vida a dois outra mulher?
- Eu o amei, do meu jeito, me sacrificando por ele, na cama, na mesa e em tudo mais. Chegamos a ter dois filhos. A minha filha mais velha já está com 26 anos e o meu caçula, com 24 anos.
- Entendo, mas você tentou continuar fazendo amor com ele, além dos sacrifícios de toda mulher, dona de casa e mãe de dois filhos?
- Sim, tentei, mas ele me rejeitou. Teve até atos de violência, em que ele me batia, em forma de rejeição.
- Mesmo assim vocês continuaram “quase juntos”, por um bom tempo, não?!
- Sim, por cerca de 23 anos. Tudo acabou, quando constatei que ele tem uma filha com a sua amante.
- Vocês se separaram de fato, ou apenas de espaço físico, vivendo cada um no seu quadrado?
- Nos separamos fisicamente. Depois de não dormir mais na mesma cama com ele, por muito tempo, eu e meus filhos resolvemos reformar nossa casa. Eu moro no primeiro piso e ele, no térreo. Meus filhos moram cada um sua própria casa, no terreno dos fundos. Formamos uma vila familiar dentro da cidade.
- E como vocês vivem hoje, com outras pessoas, ou como se fossem solteiros?
- Ambos vivemos sozinhos. Ele sai, de quando em quando, para estar com ela, que também é separada do marido. Eu, vivo sozinha, com Deus e com a minha Igreja, indo quase todos os dias na missa, mas não comungo?
- E os filhos, como encaram esta situação?
- O pai dos meus filhos muito os ama e é amado. Eu também, me sinto privilegiada por ter dois filhos assim maravilhosos! Quando estou acordada à noite, me pedem a bênção pelo interfone, antes de dormirem!
- Mesmo separados, vocês ainda mantém algum contato?
- A gente se vê quase todos os dias. Eu pergunto se ele não precisa de nada, pois é desempregado e sempre foi carente de recursos financeiros. Meus filhos também o visitam frequentemente. O dia dos pais é celebrado com toda a nossa família. E o Natal, sempre o celebramos em família: eu, meus filhos, meus netos e o meu ex esposo!
- Então, não seria o caso de um abraço de reconciliação, em que vocês pudessem reatar as relações, depois de perdoados?
- Não e não! Tudo pode caminhar muito bem, menos a reconciliação enquanto esposa e esposo, porque ele cometeu infidelidade e isto, eu não perdoo jamais!
- Entendo a situação. Mesmo que o ideal seria o abraço de perdão, mas isto deve ser muito difícil, sobretudo quando se cometem infidelidades, um ao outro, ou até num círculo vicioso com terceiras ou quartas pessoas!
- Sim, Frei, é muito difícil para mim. Mesmo assim, gostaria de saber se eu poderia entrar por uma Porta Santa  - que o bispo determinou - e depois, comungar do Cristo eucarístico?
- Veja bem: o ideal seria que vocês pudessem se reconciliar e voltarem um para o outro, não obstante as infidelidades cometidas por ele! Contudo,  do ponto de vista da Igreja, você não está impedida à comunhão. Permanece o vínculo sacramental, apesar de ser infecundo, mas você não está envolvida com outro pretendente. Portanto, aconselho que você faça uma boa confissão e se a consciência está tranquila, então aproveite este Natal para uma boa celebração e nela volte a comungar!
Em base a este e outros fatos, percebi o quanto é importante uma boa conversa, em que as coisas sejam esclarecidas em prol misericórdia, do perdão e da volta à comunhão!

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Maior celeridade nos processos de nulidade matrimonial

Favorecer  "não a nulidade dos matrimónios, mas a rapidez dos processos" – é este o pilar das duas Cartas Motu Proprio do Papa Francisco, intituladas “Mitis Iudex Dominus Iesus” e “Mitis et Misericors Iesus”, divulgadas nesta terça-feira, 8 de setembro, sobre a reforma do processo canónico para as causas de declaração de nulidade no Código de Direito Canónico e no Código dos Cânones das Igrejas Orientais. As normas entrarão em vigor em 8 de Dezembro, início do Jubileu Extraordinário da misericórdia.
É a preocupação pela salvação das almas - escreve o Papa - que levou o Sucessor de Pedro "a oferecer aos bispos este documento de reforma" sobre as causas de nulidade do matrimónio. Francisco, na esteira dos seus Antecessores e dando continuidade à obra iniciada antes do Sínodo Extraordinário sobre a Família no ano passado, com a criação de uma Comissão de estudo sobre esta matéria, reitera que o matrimónio é "fundamento e origem da família cristã" e que a finalidade do documento não é favorecer a "nulidade dos matrimónios, mas a rapidez dos processos”.
E isto também porque "pelo enorme número de fiéis - escreve o Papa - que, embora desejem pacificar a sua consciência, são muitas vezes desviados das estruturas jurídicas da Igreja por causa da distância física ou moral". Portanto, "processos mais rápidos e acessíveis", tal como foi também solicitado no recente Sínodo sobre a Família, explica Francisco, para evitar que "o coração dos fiéis que aguardam o esclarecimento do próprio estado não seja por muito tempo oprimido pelas trevas da dúvida”.
As causas de nulidade continuam "a ser tratadas por via judiciária, e não administrativa" para "tutelar ao máximo a verdade do sagrado vínculo". Para a rapidez, passa-se a apenas uma única sentença em favor da nulidade executiva, e portanto já não mais uma dupla decisão favorável. Entre as causas de nulidade está também a "falta de fé que pode levar à simulação do consenso ou o erro que determina a vontade". O Bispo diocesano é juiz na sua Igreja particular, e ele deve estabelecer um tribunal, daí a necessidade de que tanto "nas grandes dioceses como nas pequenas", o bispo não deixe completamente delegada aos secretariados da cúria a função judiciária em matéria matrimonial.
Para além do processo documental actualmente em vigor, prevê-se também um processo mais breve "nos casos em que a acusada nulidade do matrimónio é apoiada por argumentos particularmente evidentes". Para tutelar o princípio da indissolubilidade do matrimónio, perante o rito abreviado, será juiz o próprio bispo, que é "garante da unidade católica na fé  e na disciplina”.
É restaurado o apelo à sede metropolitana como "sinal distintivo da sinodalidade na Igreja". Francisco dirige-se também às Conferências Episcopais, que "devem ser sobretudo impulsionadas pelo zelo apostólico de alcançar os fiéis dispersos" e devem respeitar "o direito de os bispos organizarem o poder judicial na própria Igreja particular”.
É reafirmada a gratuidade dos procedimentos "para que - escreve o Papa - a Igreja, mostrando-se aos fiéis como mãe generosa, numa matéria assim tão estreitamente ligada à salvação das almas, manifeste o amor gratuito de Cristo pelo qual todos fomos salvos". Permanece o recurso ao Tribunal da Sé Apostólica, ou seja da Rota Romana, "respeitando um princípio jurídico muito antigo, para deste modo ser reforçado o vínculo entre a Sé de Pedro e as Igrejas particulares”.
Na Sala de Imprensa do Vaticano, durante a apresentação dos dois documentos jurídicos, foi retomado e sublinhado o desafio da brevidade, perante causas que hoje duram mesmo dez anos. Foi também esclarecido que que a reforma não será retroactiva e entrará em vigor aos 8 de dezembro. Dom  Pio Vito Pinto, decano da Rota Romana e presidente da Comissão Especial para a Reforma do processo matrimonial canónico, reiterou ulteriormente a centralidade do papel do bispo:
 “O Papa investe de confiança os bispos. Nunca nenhum  Papa celebrou dois Sínodos no intervalo de um ano: a reforma centra-se no bispo diocesano e pede uma abertura honesta, não apenas como alma, mas também como mente e coração para a massa dos pobres. Quando o Papa repete que a Igreja deve abrir-se aos pobres que são as periferias, ele entendeu e entende falar, como bem sabeis, também da massa dos divorciados que são uma categoria de pobres”.
O Cardeal Francesco Coccopalmerio, presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos e membro da Comissão Especial, ressaltou o âmbito operacional do Motu Proprio:
 "Trata-se de um processo que leva à declaração da nulidade, que leva, por outras palavras, em primeiro lugar a ver se um matrimónio é nulo e, em seguida, em caso afirmativo, a declarar a nulidade. Não se trata, portanto, de um processo que conduza à anulação do matrimónio. As razões que determinam a nulidade do matrimónio são múltiplas. Notemos bem que se trata de constatar, e não de inventar a possível existência de qualquer motivo de nulidade. O processo de nulidade do matrimónio é, por outras palavras, um processo "pro rei veritate”
Por seu lado, Dom  Dimitrios Salachas, Exarca Apostólico de Atenas para os católicos gregos de rito bizantino e membro da Comissão Especial, explicando a importância da colegialidade sinodal em apoio ao bispo, quis sublinhar a espera e a beleza dos dois Motu Proprio que "mostram" como a Igreja respira com dois pulmões, porque "a legislação latina e a legislação oriental têm igual dignidade": "Uma única fé - observou ele - mas diferentes disciplinas” (BS)
Fonte: Radio Vaticano.

sábado, 9 de maio de 2015

Teve um filho e agora quer ser religioso consagrado

Tenho uma questão: quais são os impedimentos para o ingresso na vida religiosa? Um caso concreto, por exemplo, de alguém que tenha tido um filho, mas não é casado, mas deseja ingressar na Ordem. Isto seria possível?

A demanda apresentada pelo caro internauta é interessante, porque suscita em nós uma busca por uma resposta convincente, não somente às dúvidas intelectuais, mas à dúvida de um humano que pode estar passando por angústias e indecisões. Uma pessoa pode ter escolhido uma vocação e, mais tarde, pode ter se arrependido, pelo fato de não se sentir realizado em seu norte existencial, humano e religioso. Tendo isto como pressuposto, partiremos de algumas afirmações, a guisa de esclarecimentos na questão em tela:

1. O convite à vida consagrada é enraizado no livre arbítrio, ou seja, toda pessoa humana é livre na escolha de seu estado. Todo ser humano tende, em base ao direito natural, ao matrimônio (jus conubii). Seria a via comum a seguir, desde o início da criação, colaborando com o Criador através da procriação responsável. No entanto, todo ser humano é livre e pode renunciar a esse direito natural, em vista da aliança esponsal com Cristo. A partir do momento em que renuncia ao matrimônio, dedica todas as suas energias no certame incansável em conformar a própria vida à obediência, pobreza e castidade de Cristo. Inclusive, documenta a sua renúncia, na distribuição dos bens aos pobres, tendo como modelo profissão pública feita pelos apóstolos. Dá o seu sim a Deus e à instituição em que entra a fazer parte.

2. Em se tratando de institutos de vida consagrada (congregação religiosa), de acordo com o cânon 643, § 1, 2°, é vetado o ingresso na vida religiosa consagrada, através do noviciado, ao cônjuge que ainda esteja ligado ao vínculo matrimonial. Tal vínculo surge de matrimônios ratificados e consumados, ou de matrimônios simplesmente ratificados. Por outro lado, não se constitui em impedimento, o caso de pessoas viúvas e daqueles que já receberam a dispensa do Romano Pontífice, por matrimônio não consumado ou ainda por um matrimônio declarado nulo pela Igreja.

3. Por outro lado, sabemos que a Igreja não admite o divórcio civil de matrimônios sacramentos. Porém, na questão em epígrafe, o foco não está centrado, nem no novo enlace matrimonial, porque neste caso a pessoa não contraiu matrimônio, porém tem um filho, que não sabemos bem com quem foi gerado, mas que é fruto do seu sangue e de sua paternidade responsável.

4. No direito próprio de um Instituto de Vida Consagrada, mesmo que a pessoa tivesse contraído matrimônio na Igreja – e por uma série de razões não deu certo – não estaria ela impedida de ser religioso consagrado, ou para fazer parte das ordens sagradas.  O Direito Canônico coloca, dentre outros requisitos para a ordem sagrada, salvo restando aos diaconato permanente, que a pessoa seja livre do vínculo matrimonial válido (can. 1042, 1°). Porém, neste caso, não houve casamento, nem civil, nem matrimônio na Igreja. Por tabela, se pode aplicar a mesma normativa para os candidatos à vida religiosa consagrada.

5. A Regra de Vida dos religiosos consagrados, normalmente apresentam normas para casos como este. A Regra da Ordem dos Frades Menores, por exemplo, estabelece que se a pessoa é casada, que tenha a licença da referida esposa, dada por escrito, com autorização do Bispo diocesano (Regra Bulada, 2).

6. No que tange aos cuidados da prole gerada, se a mesma depender ainda do candidato, enquanto menor de idade, que a questão seja encaminhada de acordo com as normas do Estado (direito civil).

Aplicando estas considerações ao caso concreto, se a pessoa interessada manifestar clareza em sua decisão vocacional, depois de resolvidos os problemas civis com seu filho e ter passado por um programa de formação, de acordo com as exigências do instituto religioso de sua escolha, poderá ser acolhido no mesmo através da profissão simples e mais tarde, perpétua. Portanto, não se trata aqui de um impedimento, pelo simples fato de ter um filho gerado dentro ou fora do matrimônio, mas de uma escolha, agora melhor amadurecida, que o leve à realização de sua vocação. 

sábado, 31 de janeiro de 2015

Guarda compartilhada na educação religiosa dos filhos

A partir de dezembro do ano passado, entrou em cenário a regulamentação da guarda compartilhada dos filhos, frutos de casais separados e divorciados (Lei 13.058, 22/12/2014).
Considerando os pressupostos do direito civil, direcionados à guarda compartilhada dos genitores, resolvemos por bem levantar a questão da parte espiritual, partindo de alguns exemplos práticos:
1. Uma professora e um engenheiro civil se casam, têm dois filhos e por uma série de motivos, acabam se separando. Morando em casas diferentes, resolvem comprar um apartamento, onde os filhos possam residir, em vista da estadia independente com os mesmos;
2. Carolina e Marcos entram em acordo sobre a guarda compartilhada de Caio. Carolina resolve comprar um celular de última geração e Marcos, ao saber, compra outro ainda melhor, para competir com Carolina no presente ao filho;
3. Willian e Patrícia entram em acordo sobre o colégio particular onde Janaína possa receber o melhor estudo possível. Willian paga a mensalidade e Patrícia se encarrega do material escolar, dinheirinho para os lanches e demais necessidades materiais da filha.
Diante desses e de outros tantos exemplos que poderiam garimpar em nossa breve reflexão, a gente se pergunta: se estes filhos foram batizados em comunidades cristãs católicas ou de outras denominações, ou ainda de tradições religiosas não cristãs, de quem seria a responsabilidade pela maternidade e paternidade espiritual?
1. Se ambos os genitores são católicos, a responsabilidade em educar nos valores cristãos seria de ambos, dentro dos princípios da Igreja católica. E será que isto acontece?
2. Se as partes pertencem a denominações cristãs diferentes, contraindo matrimônio por mista religião ou não, penso que a responsabilidade não pode ser terceirizada. O mesmo poderíamos afirmar daqueles que pertencem a vertentes religiosas não cristãs. Nestes e noutros casos, seria perfeitamente possível a guarda compartilhada dos filhos recair também sobre a parte espiritual. Não obstante a pouca participação do pai ou da mãe numa igreja ou templo religioso, não significa alienar a responsabilidade apenas à escola ou aos filhos. Enquanto menores, os filhos dependem dos genitores. Mesmo sendo de religiões diferentes, poderia haver um acordo, por exemplo, em que o genitor acompanhe a sua prole na sua igreja ou templo, com a anuência de sua ex esposa, ou vice-versa.
3. Na hora de comprar um presente aos filhos, a Bíblia sagrada, ou a Torá, ou o Alcorão, deveria preencher este cenário, bem como os primeiros passos no modo como ler a Palavra Sagrada e a colocar em prática. E se forem filhos de católicos, lembrar também da inscrição e acompanhamento na catequese. Mesmo não sendo católicos, não esquecer da guarda compartilhada em função dos primeiros passos na escolinha da fé ou outras estratégias previstas dentro da determinada tradição religiosa.
Em resumo, a plantinha que é gerada numa relação que não deu certo, deve receber uma adequada irrigação com a água do patrimônio espiritual da religião de ambos ou ao menos de uma parte, na guarda compartilhada destes valores. Certamente este presente jamais será esquecido pelos filhos!